Maceração carbônica e fermentação com cachos inteiros (ambas técnicas aplicadas a tintos, majoritariamente). Eu ja escrevi e rescrevi esse texto algumas vezes… pode acreditar, não é fácil achar uma forma de explicar um assunto tão polarizador e diverso. Mas acredito que encontrei um caminho mais fácil para visualizarmos.
Maceração carbônica:
É uma técnica de fermentação muito excêntrica pois acontece de maneira intracelular e tem sua ignição dada por enzimas. Para que isso aconteça, colocamos cachos inteiros (os engaços são mantidos) em tanques de fermentação selados e gás carbônico é injetado para que todo oxigênio seja expulso. Assim, leveduras não podem agir, a fermentação começa pela ação das enzimas e somente acontece dentro dos bagos intactos (intracelular). Na verdade, é impossível de atingir isso por completo já que o peso dos cachos naturalmente esmagarão os outros cachos.
O resultado é totalmente diferente do que uma fermentação normal, que é conduzida por leveduras e sem a incorporação de CO2 - processo extracelular. O resultado produz vinhos mais leves, frutados, perfumados e sua rápida extração não traz muita estrutura.
Algumas reações químicas ocorrem. Aromaticamente, fenóis voláteis muito particulares são formados: além do famoso aroma de banana, também o cinamato de etilo, responsável por sabores de morango e framboesa; e o benzaldeído que dá aromas de Kirsch. Além disso, existe uma quebra do ácido málico, que atua na textura e dá a estes vinhos uma forma mais redonda e sedosa. Louis Pasteur já distinguia os resultados desse tipo de fermentação (maceração) mas quem realmente a popularizou foi Jules Chauvet, o mestre da carbônica e um dos pioneiros do movimento de vinhos naturais.
Aqui, a maioria dos produtores procura um perfil mais frutado do que realmente extrair o que o engaço pode oferecer. Essa prática é basicamente vista de forma alastrada nos Beaujolais Nouveau. Aqueles de produção massificada não demonstram nada de interessante mas nas mãos certas a Fête du Beaujolais Nouveau pode ficar perigosamente deliciosa. Já nos Cru Beaujolais, a técnica mais usada é a semi-carbônica e já, já eu falo sobre ela.
Fermentação com cachos inteiros:
É um meio de fermentar muito antigo, de fato era a norma antes das desengaçadeiras serem inventadas. Cachos inteiros, também são colocados nos tanques (frequentemente abertos) mas agora alguns são parcialmente esmagados - mais intencionalmente do que somente pelo peso de outros cachos - assim liberando suco desses cachos para que as leveduras possam agir e fermentar o vinho normalmente. O percentual de cachos inteiros varia muito de produtor a produtor, tendo de um lado o desemgaço total, de outro o uso 100% deles mas uma rica diversidade no meio.
Gás carbônico não é injetado mas é liberado naturalmente pelo processo natural de transformar açúcar em álcool, e alguns dos bagos que ficaram intactos vão resultar em uma fermentação carbônica. Portanto, existe um momento em que a fermentação carbônica acontece simultaneamente à alcóolica. A proporção depende do estilo que o produtor procura e o manuseio de oxigênio, assim como a proporção de cachos esmagados, são cruciais para aumentar ou diminuir a influência da carbônica.
Em Beaujolais, veremos muito mais vinhos com maior ação da carbônica. Porém na Borgonha, e mesmo no Rhône, ela diminui e dá espaço a uma fermentação mais “normal”, que é mais prolongada, também de mais extração de todos os elementos mas com a presença dos engaços.
Outras características da fermentação com cachos inteiros e influência dos engaços são:
Aromaticamente:
A expressão aromática é realçada, há mais elevação, perfume e notas verdes/seiva que Ashley Hausman MW descreve com muita precisão como "o fundo de uma floricultura onde fazem os buquês". Além disso, também há a influência da fase carbônica, que forma o cinamato de etilo e o benzaldeído. Na Borgonha, tudo é delicadeza e Jeremy Seysses (Domaine Dujac) comenta que usa técnicas de manuseio do chapéu para evitar os aromas da maceração carbônica, pois ele procura somente a textura e frescor que a técnica proporciona.
Estrutura:
O impacto dos engaços é primeiramente notado na cor, pois absorvem antocianina (pigmento). Esses são vinhos mais abertos e transparentes.
Os taninos também são afetados, embora esta seja uma discussão complicada. O lendário Henry Jayer costumava defender que os engaços adicionam taninos verdes e seus vinhos eram sempre desengaçados. Por outro lado, alguns podem usar até 100% dos engaços em seus vinhos e acreditam que isso acrescenta importantes elementos de força e firmeza a sua estrutura. Apenas alguns exemplos para contrastar a visão de Jayer: Domaine de La Romanée-Conti e Domaine Dujac, que podem utilizar até 100% em certas colheitas. Mas o impacto real é mesmo difícil de medirmos, pois muda também a forma como os vinicultores extraem seus vinhos. Seysses comenta que o chapéu fica muito mais difícil de manusear, portanto se extrai menos.
A acidez e frescor são igualmente afetados. Primeiro, potássio é liberado, que aumenta o pH, assim diminuindo a acidez total. E devido a fermentação intracelular, acontece uma degradação do ácido málico, que pode ter um impacto positivo na textura do vinho, o deixando mais “soft” mas por outro lado diminuindo a acidez. Entretanto, existe uma ilusão de maior frescor nos vinhos, o que torna a discussão ainda mais complexa. Por exemplo, Christophe Roumier tem trabalhado com mais engaços pois acredita a percepção de frescor aumenta. Por outro lado, Cécile Tremblay reduziu a porcentagem de cachos inteiros porque está preocupada com o aumento de potássio que reduziria o ácido tartárico.
Álcool:
Existe uma diminuição no nível total de álcool devido a ação dos engaços, que o absorvem e também liberam água.
Enfim, o estilo desses vinhos fica mais e mais difícil de definir devido as inúmeras possibilidades de variar a técnica mas muitos concordam que são mais perfumados (floral e notas de frutas vermelhas), frescos, firmes porém elegantes.
Não esqueci! Existe também o meio do caminho, uma fermentação conhecida como semi-carbônica (parcial). Essa, popular entre os melhores Beaujolais, envolve uma curta fermentação carbônica que logo segue da alcóolica. Pra mim, uma combinação deslumbrante que faz vinhos deliciosos mas sérios.
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